O senador pernambucano Cristovam Buarque é referência quando o assunto é educação. Seu nome passou a ser ainda mais conhecido, em todo o País, a partir da sua candidatura à Presidência da República em 2006.
Inicialmente formou-se engenheiro e depois fez doutorado em economia pela Universidade de Sorbonne, em Paris, na França. Ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-ministro da Educação no primeiro governo Lula, Cristovam Buarque foi autor de iniciativas do Bolsa Escola, quando foi Governador do Distrito Federal, entre 1995 e 1999.
Um dos políticos mais respeitados do país, o senador Cristovam Buarque (PPS) afirma, em entrevista exclusiva ao Portal CPP, que “O magistério segue desvalorizado não apenas quando comparado a outras carreiras, mas também na comparação com economias de mesmo porte.”
Confira, a seguir, a entrevista com o Senador Cristovam Buarque, incluindo a sua opinião acerca da mudança do ensino médio.
Em 8 de setembro, o MEC divulgou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2015 que aponta que o ensino médio nas escolas do país está estagnado desde 2011 em patamares abaixo do previsto, enquanto os anos finais do ensino fundamental também não alcançaram as metas. Em sua opinião, qual o fator que mais impulsionou a decadência do ensino brasileiro nas últimas décadas?
Foi a falta de prioridade dos governos à Educação. A falência do sistema educacional impede preparar nossas crianças para que elas enfrentem o próprio futuro e para que participem da construção do futuro do país. Há décadas pode-se perceber as consequências deste descaso. Mas ao não ser visível não tem sensibilizado o Brasil a dar o necessário cuidado à Educação de Base. A gravidade do nosso problema educacional também vem da brutal desigualdade na educação de nossas crianças conforme a renda da família. O abandono da educação é uma das causas da crise econômica que vem sobretudo da baixa produtividade e da irrisória capacidade de inovação; a violência, a corrupção, o populismo, a irresponsabilidade fiscal têm como uma das causas a deseducação geral. O Brasil deve ter a educação como o vetor do progresso econômico e social, seu slogan deve ser o filho do trabalhador em escola com a mesma qualidade que o filho do patrão e a escola brasileira com a qualidade dos mais educados países do mundo.
Pesquisa divulgada em fevereiro desse ano, pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, com base em 2015, verificou que nada menos que 27% dos brasileiros são considerados analfabetos funcionais. Como reverter esse quadro?
Este talvez seja nosso maior fracasso: a falta de consciência da importância da educação de qualidade e com qualidade igual para todos. O Brasil investe pouco mais de 6% do seu PIB em educação, pouco mais do que a média dos países da OCDE. O valor gasto anualmente por estudante ainda é baixo, pouco mais de R$ 6 mil por aluno. Isso equivale a 1/3 da média do gasto realizado pelos países da OCDE. Ademais, o gasto com educação básica no Brasil equivale a 1/4 do gasto por estudante realizado com a educação superior. E talvez a maior vergonha e prova do desprezo ao futuro, em pleno século XXI: 13 milhões de adultos em nosso país ainda são analfabetos, incapazes de reconhecer a própria bandeira por não saberem ler ao menos o lema “ordem e progresso”. Temos cerca de 2,8 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, sendo mais de meio milhão vítimas do trabalho infantil. Metade de nossas crianças terminam a 4ª série do ensino fundamental sem saber ler e escrever corretamente; grande parte de nossas escolas não possuem bibliotecas qualificadas ou projetos de leitura. Não é de se admirar, portanto, o resultado dessa pesquisa. Reverter esse quadro de analfabetismo, completo e/ou funcional é tornar a Educação a prioridade zero no Brasil.
Há tempos que a violência faz parte do cotidiano das escolas. Aterroriza alunos e educadores. O que o senhor acredita que pode ser feito para conter o avanço da violência?
Nestes duzentos anos fizemos a mais violenta sociedade deste final de século: cerca de 59 mil pessoas são assassinadas por ano, outras 45 mil são mortas por acidentes de trânsito; deste total, dez mil assassinatos são de crianças e adolescentes. Este quadro parece se agravar no futuro deixando, daqui para frente, um quadro de guerra civil sem bandeiras, sem propostas, pela sobrevivência, de como combater a violência, sem respeito às leis. Mais que isto, tememos um processo de desarticulação da sociedade brasileira dividida em corporações, gangues, bandos, sem sentimento de solidariedade patriótica, sem aglutinação; pedimos desculpas aos descendentes porque não fomos capazes de criar instrumentos de aglutinação social. Tudo isso se reflete nas nossas salas de aula. E sabemos que tudo isso é o resultado, sobretudo, do abandono da educação, negada por quase todos os dois séculos anteriores para a imensa maioria pobre e oferecida de forma insuficiente para a minoria dos ricos. A violência nas escolas, para mim, é um dos mais drásticos sintomas de que o país pode caminhar para uma desagregação social. Só a Educação é capaz de interferir nessa marcha.
Qual a opinião do senhor a respeito da qualidade dos cursos de formação do magistério?
O magistério segue desvalorizado não apenas quando comparado a outras carreiras, mas também na comparação com economias de mesmo porte. Entre os países membros da OCDE, a média salarial do professor é três vezes o salário do professor brasileiro. A carreira do magistério hoje não é capaz de atrair nossos melhores talentos para sala de aula. Hoje observa-se um crescimento no número de vagas ociosas nos cursos de licenciatura no país, o que mostra o desprezo do Brasil pelo futuro de nosso povo. A última estimativa do MEC apontou uma carência de 170 mil docentes nos níveis fundamental e médio no País. Temos, ainda, uma grande deficiência em infraestrutura. Entre os itens mais críticos estão laboratórios de ciências – presentes em apenas 8,6% das escolas públicas de ensino fundamental e 43,9% de ensino médio – e quadras esportivas – presentes em apenas 31% de todas as escolas públicas.
Como o senhor vê a escola pública brasileira? O que acha da reforma do ensino médio proposta pelo Governo Temer?
Toda reforma educacional precisa ter dois propósitos: atender ao aluno e ao futuro do Brasil. Os alunos brasileiros estão há anos mostrando o horror como eles percebem o Ensino Médio: ao abandonar a escola e tirando 3,7 no IDEB. A escala mede terremotos sociais e econômicos futuros. Os últimos resultados do IDEB mostram a catástrofe que ameaça o futuro do país e de seus futuros adultos. A Medida Provisória que propõe a reforma do Ensino Médio deve ser bem recebida, por trazer urgência e ser uma resposta à catástrofe nesta fase educacional. Mesmo sabendo que ainda não é suficiente para construir a escola com a mesma elevada qualidade para pobres e ricos em todas as cidades, traz uma primeira evolução ao ouvir o aluno na definição de sua grade de disciplinas. A MP 746 ainda não é suficiente, mas é necessária e positiva. Ainda está longe de iniciarmos uma revolução, mas estamos fazendo uma evolução.
Que mensagem o senhor pode deixar ao educador, associado do Centro do Professorado Paulista, atuante na escola pública e também aos que já se aposentaram?
Hoje, a mensagem que quero levar a todo educador, a todos os professores, e em especial ao associado do Centro de Professorado Paulista é uma mensagem de ousadia e de coragem. Deixem de lado seus justos interesses corporativos imediatos, e vamos juntos pensar da Educação brasileira. Vamos pensar no futuro do país e nas crianças, adolescentes e jovens brasileiros. É preciso um gesto de altruísmo para darmos este importante passo na evolução do Ensino Médio. A participação do educador e do professor nesta reforma é fundamental. Mas, precisamos abrir mão, momentaneamente, de nossas paixões políticas e de nossos interesses próprios. Importante ressaltar que a reforma proposta vai aumentar a demanda por mais professores. É fundamentar entender que quando a Educação melhora, essa melhora alcança toda a comunidade escolar; são beneficiados os alunos, os professores e todo trabalhador na Educação. Por isso, minha mensagem é uma conclamação: vamos mudar a nossa educação. Esse debate já se desenrola há décadas. Vamos usar a urgência que a Medida Provisória traz para o tema a favor do Brasil.